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GEORG TRAKL
( Áustria )
Poeta austríaco, nasceu em 1887 e suicidou-se em 1814, na Cracóvia, após a batalha de Grodek (título de um poema trágico e terrível, que se acha entre os aqui traduzidos).
Expressionista, profundamente influenciado por Hoelderlin, mas de uma originalidade soberana.
Trakl foi um dos maiores poetas de sua época.
REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 3, No. 6 jul./dez., 2021. Diretor Flavio R. Kothe. Brasília, DF: Editora Cajuína/Opção editora, 2021. 146 p. ISBN 2674-84-95
TRADUÇÃO DO ALEMÃO POR FLÁVIO R. KOTHE
Poemas citados por Martin Heidegger no livro Unterwegs zur Sprache
(A caminho da linguagem), Pfullingen, Neske Verlag, 1975)
Um anoitecer de inverno — p. 17
George Trakl
Quando à janela a neve cai
E longo soa o sino do ocaso,
Para muitos a mesa é posta
E a casa toda bem disposta.
De suas andanças chega alguém
Ao portão por trilha obscura.
Dourado brilha o pio arbusto,
Da fria seiva da terra advento.
Quieto o peregrino entrou:
A soleira, a dor petrificou:
A limpa luz rebrilha então,
À mesa postos, vinho e pão.
Crepúsculo espiritual — p.48
Quieto se encontra na fímbria da floresta
Um obscuro animal silvestre;
No morro se esvai a brisa do anoitecer,
Emudece a queixa do melro,
E do outono as flautas suaves
Calam-se nos calamos.
Sobre uma nuvem soturna
Navegas ébrio de ópio
O açude noturno,
O céu de estrelas.
Da irmã soa sempre a enluarada
Pela noite espiritual.
( Das Neue Reiche , p. 229-230):
*
Página ampliada e republicada em setembro de 2023
POESIA – Revista do Clube de Poesia de São Paulo. – No. 2 São Paulo: junho de 1978. Diretor Geraldo Pinto Rodrigues. 95 p
Ex. bibl. Antonio Miranda
Tradução de DOMINGOS PAOLIELLO
UMA TARDE DE INVERNO
Quando à janela a neve tomba
Longo soa o sino da tarde,
Para muitos a mesa pronta,
Na casa provida a fogo arde.
Muitos após a caminhada
Chegam à porte em escura trilha,
Da seiva fria da terra, dourada
A árvore da graça brilha.
O caminhante vem para dentro.
Pétrea de dor, a soleira. Ao centro,
Sobre a mesa o vinho e o pão.
TROMBETAS
Sob decorados salgueiros, onde folhas voam
E crianças morenas brincam, trombetas soam,
Um calafrio de cemitério. Através da tristeza do ácer
Tatalam bandeiras escarlates. Cavaleiros ao longo dos caminhos
De centeais, de vazios moinhos.
Ou cantam à noite os pastores e cervos trotam
No círculo de seu fogo, mágoa antiqüíssima do bosque. Brotam
Dançarinas figuras das paredes pretas.
Bandeiras escarlates, loucura, risos, trombetass.
GRODEK
Ressoam ao por-do-sol as florestas de outono
Ao clangor das armas mortais, as planícies douradas
E os lagos azuis, sobre os quais o sol
Sinistro rola; a noite envolve
Moribundos guerreiros, os lamentos selvagens
De suas bocas despedaçadas.
Mas silente se adensa sobre o chão de vimes
Vermelha nuvem, que um deus raivoso habita,
O sangue vertido, frio lunar; em pútrido negrume
Todas as rotas se afundam.
Sob os dourados galhos da noite e das estrelas
A sombra da irmã flutua através dos bosques silenciosos
Para saudar os espíritos dos heróis, as sangrentas cabeças;
E suaves soam nos juncos as flautas escuras do outono.
Ó soberba mágoa! vós, altares de bronze,
A flama ardente do espírito alimenta hoje poderosa dor,
os netos não nascidos.
CANÇÃO DE KASPAR HAUSER
Para Bessie Loos
Deveras ele amava o sol, as púrpuras que das colinas desciam,
Os caminhos da floresta, o negro pássaro canoro
E a alegria do verde.
Severa, sua morada à sombra da árvore
E para sua face.
No coração soprou-lhe Deus uma suave flama:
Ó Homem!
Quieta encontrou seu passo a cidade ao entardecer;
O obscuro clamor de sua boca:
Um cavaleiro quero ser.
Seguiram-no porém arbusto e fera,
Casa e jardim crepuscular dos homens brancos
E seu assassino o buscava.
Primavera e verão e belo o outono
Do justo, seu macio passo
Nos escuros quartos dos sonhadores.
À noite ficava à sós com sua estrela;
Viu que a neve caía sobre o galho nu
E no corredor crepuscular a sombra do assassino.
Do não-nascido tombou, prateada, a cabeça.
CANÇÃO OCIDENTAL
Ó noturno bater de asas da alma:
Pastores, vamos nós como outrora sobre crepusculares florestas
E o rubro cervo, a verde flor, a balbuciante fonte
Humildes obedecem. Ó antiquíssimo sons dos grilos,
Sangue florescente sobre a ara
E o grito dos pássaros solitários sobre a verde quietude dos açudes.
Ó vós Cruzados e flamejantes martírios
Da carne, tombados frutos purpúreos
No entardecente jardim onde outrora os piedosos discípulos
caminharam,
Guerreiros agora acordam de estrelados sonhos e chagas.
Ó vós tempos de quietude e dourado outono,
Quando nós, monges pacíficos, as uvas purpúreas amassávamos
— e vem em torno a nós fulgiam florestas e colinas.
Ó vós caçadores e castelos; paz do entardecer,
Quando em seu quarto o homem pensava na justiça,
Lutava em muda oração pela cabeça viva de Deus.
Ó hora amarga do naufrágio,
Quando contemplamos em negras águas uma pétrea face.
Mas prateadas pálpebras alçam os radiantes amantes:
Uma carne. Das róseas almofadas, flutua o incenso
E o cântico suave dos ressuscitados.
(Essas traduções são dedicadas pelo autor ao poeta
Cyro Pimentel)
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Página publicada em janeiro de 2023
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